E
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screver é uma arte que exige de nós esmero
constante para aprendermos a apanhar as palavras capazes de fecundar nossas ideias
e conseguir semeá-las com leveza no papel.
Q
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uando eu era criança recordo ter elaborado
muitos textos não-verbais e escrito um monte de histórias que corriam soltas no
mundo de minha imaginação.
Q
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uando me tornei adolescente comecei a registrar,
por conta própria, meus pensamentos inquietos.
Na escola não havia espaço para
eles, não havia aula de redação e nem éramos instigados a pensar ou a colocar
no papel nossas reflexões; éramos treinados a escrever respostas prontas para
perguntas avaliativas pré-fabricadas.
C
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oncluí o 2º grau achando que produzir textos era
ocupação destinada para quem quisesse
ser escritora e fizesse uma faculdade.
N
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a Universidade comecei a escrever para que
outros lessem e avaliassem o escrito. Achei isso massa!
É sempre bom saber que
tem alguém nos “ouvindo”, mesmo que nem sempre nos compreenda!
O
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que
apresento nesta página é uma coletânea de textos que fui escrevendo ao longo
dos anos. O tempo amarelou o papel, fez desmaiar algumas letras, baralhou
sentidos, ... aguçou o olhar de sua autora.
Hoje consigo
flagrar a ingenuidade de algumas ideias e expressões, sentimentos confusos,
olhares equivocados, mas olho esses textos com o mesmo carinho com que um dia
os teci, li-os e os guardei, como quem guarda algo importante.
Olho-os e me emociono: reconheço-me! Contemplo
neles a beleza de passos que me fizeram crescer.
AMOR
O AMOR?! – sem palavras para defini-lo!
Sentimento inquieto, nobreza da alma, suor sagrado,
Oxigênio da vida ... Sei lá!
Um monte de pequenas grandes coisas
que por si só dizem o que as palavras
Empobrecem ao tentar explicar.
Força que cresce de
dentro pra fora
De fora pra dentro
Exalando-se em
sorrisos, beijos, abraços ...
Palavras que bailam
e se fundem
Na simplicidade do
ser.
Química perfeita que paira no ar,
Que acontece de graça
Misturando diferenças!
Luz que dá o tom do semblante humano;
Carência do homem moderno que vestido
De máquina se nutre de violência.
Poderia eu
dissecá-lo sem me esquivar
De sua
magnitude?
–
Ingenuidade acreditar que sim,
pois que sou
apenas um pedaço dele
E o que eu
venha a dizer será sempre
Uma fração
de sua essência!
(1996)
A VIDA DAS PALAVRAS
Noelia de Jesus Silva*
N
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ão é fácil, mas parece banal
falar das palavras. Elas estão por toda parte, são particularmente conhecidas,
e, querendo ou não, convivemos e fazemos uso delas a cada dia e desde toda a
história. Há palavras doces, amargas, frias ou alcoviteiras; aquelas que
ansiamos por ouvir, ou cuspimos de qualquer jeito antes que nos matem ficando
entaladas no peito. Há palavras que chocam, seduzem, emocionam, confundem;
aquelas que passam tão velozes por nossos tímpanos que mal nos damos conta e
elas já se dissiparam, e ainda há outras que calam tão fundo ou são tão
oferecidas que é simplesmente impossível esquecê-las!
Palavras
e palavras, vivemos casos com elas! Não deveria ser difícil dizê-las, cantá-las
ou organizá-las numa pauta, entretanto, não raramente somos surpreendido por
sua falta, por seu silêncio inquietante a deixar-nos desconcertados diante de
folhas ou telas em branco. O que é que há com as palavras? Não deviam ser-nos
obedientes já que as criamos, re-criamos e, de alguma forma, as fazemos ecoar?
Talvez devessem! Mas fato é que, na realidade, as palavras parecem serem aladas
e, sabemos que é preciso traquejo para lidar com elas. “Lutar com elas é a luta
mais vã. Entretanto lutamos”. –
Assegurou Carlos Drummond de Andrade em O lutador, e seus versos ainda confessam a necessidade do poeta
tentar apanhar algumas para o próprio sustento num dia de vida. Nada pacífica
ou definitivamente resolvida é essa relação do homem com a palavra. Revestida
de som e sentido, ela é uma arma de dois gumes capaz de dizer e, ao mesmo
tempo, calar. Assim, a mais simples informação dada sobre algo, traz em si
outras que são ditas silenciando. Tentar assenhorar-se das palavras
demarcando-lhes sentidos com verdades pré-fabricadas, sempre resultou em sérios
equívocos. Fugindo à tirania de ditaduras históricas, filosóficas, religiosas, ...
e, até mesmo, do senso comum, as palavras exigem, silenciosamente, serem
re-examinadas, re-vistas, re-significadas, a fim de que se veja seu fundo
obscuro e sua face luminosa.
Quem
não conhece alguém que foi traído pelas próprias palavras? Quantos em nossa
sociedade a viver com baixíssimo crédito ou moral nenhuma para dizer alguma
coisa! Ou ainda, quem não conseguiu flagrar, num registro do presente ou do
passado, o descascar do verniz com que o tingiram de verdade? Como os homens as
palavras anseiam por liberdade. Embora possamos encontrá-las entranhadas na
vida das coisas, o eco de uma palavra reclama o som de outras e outras, de modo
que é inútil aprisionar algumas achando que elas bastam para nos dizer e aos
outros. Ouvir apenas o eco da “própria” palavra equivale a tornar-se, com ela,
escravo. Precisamos da palavra do outro para efetivamente realizarmos uma real
expressão do nosso ser.
Intrigante
é como apesar de todo avanço tecnológico ocorrido, também, na área das
comunicações, ainda nos deparamos, além da questão dos sem teto, sem terra, sem
emprego, ... com a triste condição daqueles que vivem sem palavra. Estes formam
um número assustador, e com um agravante: muitos deles têm passagem pela
escola! São vítimas de um sistema intensivo de aprendizagem do mundo que se
baseia na domesticação de palavras e, consequentemente, textos, corpos,
sentidos, ... vida. Desprovidos de liberdade para colher as palavras, muitos
vivem condenados a repeti-las ou a meramente acatar seus efeitos programados.
Dizemos as palavras e elas nos dizem. Somente
um homem livre e responsável, senhor de si e de seus atos, pode tocar a palavra
e lhe alforriar os sentidos, utilizando-a como instrumento para recriar o
mundo, reinventar a vida. O homem e a palavra: quem dar vida a quem? – É triste
um homem sem palavra! Seus atos se tornam desacreditados, sua imagem,
inevitavelmente, se degenera. Mas, por outro lado, o que são as palavras sem o
homem? Quem importância têm? O que podem dizer por si mesmas? – Homens e
palavras entrelaçados tecem a vida, marcam as cores do cotidiano. Quem dera se
neste colorido os tons suaves sempre se destacassem!
MENORES, QUEM SÃO?
C
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entenas de crianças sem brilho no olhar
perambulam pelas ruas dos grandes centros. São personagens principais de um
filme que já bateu record de escândalo e obteve repercussão internacional –
Menores abandonados!
O que é realidade, um dia virou manchete, sacudiu
o ibope e hoje é página virada de uma história indesejável. Milhões de pivetes,
trombadinhas, “filhos da mãe”, ... se esforçam por assumir de novo o papel
principal num filme sem ficção, onde insistem em colocá-los como meros
figurantes.
Problema superado ou tática de extermínio?
Vivemos numa sociedade recheada de problemas de
toda ordem. É simplesmente stressante contemplá-los a cada dia; por outro lado,
é muito fácil minimizar os problemas ou, até mesmo, esquecê-los quando eles não
afetam diretamente a nossa pele e, quase sempre, podemos contar com outro mais
recente, mais polêmico. É o que acontece, também, com a questão do menor no
Brasil. Nos habituamos a vê-los todos os
dias e já não nos surpreende a sua rotina de miserabilidade, seus olhos
vendados, suas mortes coletivas. Ficamos imunes a sua realidade de modo que não
nos chocamos mais, não entramos em pânico e muito menos, carregamos sentimentos
de culpa por isso.
Esse comportamento tão próprio de um povo sem
cidadania acaba reforçando a indústria da miséria, condenando milhares de
inocentes a viverem como escravos de um sistema que os nutre de violência.
Quem são os responsáveis? O destino, o governo, a
ciência, ... Deus? Esfacelamos tanto as
responsabilidades que ela diluiu-se no caos de nossas discussões demagógicas.
Enquanto isso, ao lado de um tão sonhado progresso nacional, um bando de
adultos-precoces vão se espalhando querendo ver, ao menos de longe, a cor da
grandeza.
Minha culpa,? Sua culpa?
Acorda Brasil!
É o povo quem faz a história!
(07 de julho de 1996)

O ATO DE PRODUZIR TEXTO
S
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inceramente não sei como começar a abordar
assunto já tão teorizado. Não vem em meu auxílio a inspiração e, mesmo
querendo, não consigo articular as ideias; as palavras fogem como se rissem de
meu desgaste intelectual.
Onde estarão as palavras que deveriam povoar o
início desta dissertação? – Pergunto-me consternada diante do vazio. Tragam-me
as técnicas, os modelos mais apropriados para começá-la, pois disto depende a
minha nota! Sei que não é esse um motivo nobre, principalmente para uma aluna
de Letras, mas o imediatamente convincente para me fazer deparar com a folha de
papel e tentar dar-lhe vida.
Não é fácil produzir um texto, mesmo quando o
assunto é conhecido ou já foi trabalhado, ou lhe agrada ou ...
Para se chegar a um texto, o indivíduo passa por
todo um processo de gestação interna e externa. É esta gestação enlaçada por
motivos que faz com que o texto nasça e se revele.
Lamentável que este fato seja tão pouco
considerado e as pessoas tenham se habituado a encarar a produção textual como
mera manipulação de técnicas e conteúdos, esquecendo o ser que a produz. Não
basta saber o assunto tematizado ou ter acesso às regras redacionais para se
produzir algo; é preciso organizar o pensamento de forma que o enredo das
palavras se torne expressão pessoal. O texto de cada um, antes de ser um
produto codificado no papel, é uma mistura de sentimentos, emoções,
sensibilidade, ... que se processam de forma única no interior de cada ser. O
medo, a aversão, a segurança, a poesia, o encanto, ... dão a forma primeira do
texto porque este é a expressão do indivíduo. Entenda-se produzir como o ato de
tornar seu e não copiar modelos!
Assim sendo, ao ler-se um texto produzido, convém
que se faça com olhos empáticos, a fim de que o seu autor sinta-se seguro ao
revelar-se. Não significa fazer “vista grossa” aos vários erros gramaticais que
costumam povoar as redações; é preciso, sem dúvida, retificá-los, no entanto,
bem mais importante que esse detalhe é conhecer o que o autor quis mostrar: que
pode não ser do jeito mais elegante, mais agradável, mais objetivo, mas foi o
jeito que ele encontrou, em determinado momento, para expressar-se.
Pode parecer meio ridículo o que foi exposto
acima se lembrarmos das salas de aula superlotadas, dos programas corridos, do
tédio que insiste em virar slogan quando o assunto é redação, mas teimo em
acreditar que o homem é verdadeiramente homem – e não massa – quando aprende a
expressar sua singularidade. Ingenuidade ou não, vejo no ato de escrever um
caminho para esse aprendizado.
(1996)
REDAÇÃO: O BICHO PAPÃO DA ESCOLA BRASILEIRA
A
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tenção! Atenção, todas as Unidades Escolares! Uma
enorme folha em branco, munida de lápis ou caneta, calibre não identificado,
anda rondando as salas de aula assassinando ou mutilando crianças, jovens e
adultos. Já foram identificados mais de um milhão de casos de histeria coletiva
por parte das crianças, overdoses de tédio nos jovens e adultos, além de
traumas psicológicos considerados por alguns, irreversíveis. Fiquem alertas, a
qualquer hora ela pode atacar. Defendam-se: não abram mão de vocês mesmos!
A primeira vista o aviso é bem engraçado,
recheado com uma boa dose de exagero acerca de uma folha, mas, olhando por
outro lado, percebemos quão lamentável é o teor desse aviso, uma vez que condiz
com a realidade do ensino de redação nas escolas brasileiras. Por que será que
a redação é vista como esse bicho assustador? O que será que acontece com
nossos alunos que mesmo depois de anos de redação cobrada, continuam escrevendo
tão mal, tão preguiçosos, tão traumatizados?
Acredito que o problema está estritamente ligado
ao fato de sermos MASSA. Massa amorfa, sem vontade própria, moldada por
fórmulas estereotipadas de um grupo que não tem o menor interesse em que
pensemos por nós mesmos, que sejamos POVO que forma uma nação.
Poderíamos nos perguntar: mas o que tem a ver o
fato de se escrever mal com a realidade de sermos massa? – Ora , escrever é bem
mais que selecionar palavras e dispô-las numa sequência lógica; é antes de tudo
expressão pessoal frente àquilo que é apresentado. Acontece, porém, que de
forma consciente ou não, a escola, a família, a sociedade, na condição de massa
teleguiada de um sistema, acabam sugando esta expressão pessoal, deixando o
indivíduo inseguro, vazio de si mesmo frente a “modelitos” de ideias e
conceitos que ditam o que ele deve fazer para escrever bem.
Como não é fácil se encaixar nesses “modelitos”
considerados ideais, uma grande maioria dos alunos, ao longo de sua vida
escolar, vai ouvindo aos “berros” ou cadenciadamente: você não sabe escrever!
Você é burro! Você não tem dom! ... Tá tudo errado! Se existe uma distância
entre erro e acerto, numa relação massificante, essa distância se torna
desproporcional, de modo que do erro para o trauma é um “pulo”. Prova disso é a
falta de entusiasmo quando o assunto é redação.
Em consequência dessa avaliação injusta,
respaldada em riscos vermelhos, o ser, desprovido de uma boa auto-estima, vai
sendo moldado segundo o que os outros pensam; acaba acreditando que é um
impotente, que é muito difícil escrever e que ele não sabe! E assim se torna
mais um na massa: sem expressão própria, alheio a seu potencial como ser
humano.
Convém ao Sistema que seja assim, que as pessoas
não pensem nem falem por si próprias, mas se acomodem a uma situação pronta,
acabada. Certamente não dá para mudar esse quadro da noite pro dia, uma vez que
os motivos que nos levam a ser massa, são vários. Se realmente estivermos
interessados em que o momento da redação não seja um momento de suplício, mas
de libertação pessoal, creio que precisamos embarcar numa viagem em busca de
nós mesmos e descobrirmos os nossos valores, a nossa identidade – identidade
única, singular em toda história da humanidade! Precisamos aprender a errar e a
rir de nossos erros, vendo neles não um motivo para traumas, mas oportunidade
de descobertas.
Quem sabe assim, munidos de nós mesmos, ao nos
depararmos com a ´grande folha em branco`, não haja nenhum assassinato, mas
encontro perfeito onde reafirmamos nossa alforria histórica. Liberdade: mente,
corpo e alma – porque a verdade é colorida!
(31 de março de 1996)
A CRÍTICA
“...
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Obviamente, tem-se medo da crítica, pois se a
crítica não traz conteúdos prévios, mas é a descoberta de conteúdos escondidos,
então ela é muito perigosa...” Eis um pequeno fragmento do texto de Marilena
Chauí sobre o trabalho da crítica do pensamento.
Considerando como as pessoas geralmente reagem ao
serem criticadas ou ao criticarem alguém, diríamos que Chauí está coberta de
razão: a crítica amedronta as pessoas, sejam elas emissoras ou receptoras da
mesma.
Mas, por que será que temos tanto medo da crítica
a ponto de acharmos importante e ao mesmo tempo evitá-la?
Uns dizem que é porque existem críticas que
destroem as pessoas, não são construtivas; chegando a ser um desrespeito, uma
afronta. Outros complementam dizendo que a crítica construtiva é a que sempre
deveria ser utilizada mas, como nunca se sabe que tipo de crítica vai ser feita
... Penso que o medo que sentimos da crítica está estritamente ligado ao fato
de sermos basicamente massa.
Vivemos em um país ferido pela cegueira moral;
anêmico de amor e justiça!
Alimentação, moradia, saúde, educação, ... tudo isso é relativizado pela ânsia de
alguns “grandes homens” em progredir: exportar, exportar ... até que
outros vejam que estamos evoluindo, saindo do 3º mundo.
Estamos calejados de carregar, durante anos a
fio, sistemas que nos esmagam, nos oprimem, que nos degradam como seres
humanos; mas, sobrevivemos nutridos por discursos, e boas intenções e promessas
de ideologias libertadoras.
Não foi ontem, nem a semana passada que o
respeito à vida começou a ser violado (no micro da família e no macro da
sociedade) e o homem precisou esconder o rosto para não envergonhar as câmeras
de tv.
Quem somos nós? Por que nos calamos como seres insensíveis?
Nos fizeram massa! Felizes ou não, é “cômodo”
sê-la. Massa alienada, que não questiona, não enxerga, não escuta; massa
apossada por grandes artistas que a moldam da maneira mais conveniente.
Interessante seria deixarmos de ser MASSA e
descobrirmos a grandeza de sermos PESSOAS que formam um POVO. Um povo que não é
massa, pois é capaz de CRITICAR: ver com os próprios olhos, ouvir com os
próprios ouvidos e chegar a desvendar aquele silêncio que está por trás das
palavras e pensamentos.
Vista deste modo, diríamos que a crítica está
imbuída num processo libertador, pois creio que não há crescimento político,
econômico, social – histórico quando todos veem, pensam e fazem da mesma
maneira. É mister que haja um toque diferente, que a nossa visão seja ampliada,
enriquecida com um pensamento novo que revele a outra vertente, o outro lado da
moeda, o averso daquilo que foi dito, aquela parte obscurecida, ... e assim
possamos compreender melhor a realidade e/ou descobrir caminhos novos.
A medida que tivermos a audácia de trazer à luz
esses conteúdos escondidos, de certo iremos dar passos mais seguros em direção
de nós mesmos e de um futuro mais humano.
(Texto elaborado
tendo como base o texto de Marilena Chauí
“O trabalho da crítica do
pensamento”)
A INFÂNCIA E AS TELAS DE TV
M
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uitas pessoas condenam a televisão por disseminar,
entre as crianças, a violência e os maus costumes. Mas será que a televisão é a
responsável por mais esse malefício causado às crianças?
Certamente que não. As crianças não precisam
aprender com a televisão o que é violência, corrupção, fome, vandalismo, ...
elas já convivem com isto bem pertinho dos olhos e, muitas vezes, tão na
própria pele! (Sem casa, sem pão, sem escola, sem família, ... sem amor) Elas
já sabem o gosto que tem a realidade e aprendem na escola da vida como se
defender e digeri-la.
No micro da família ou jogada no macro da
sociedade, a criança é um ser impelido a, cada dia, amadurecer ao carboreto, de modo que seu
comportamento não é resultante de uma contemplação passiva dos programas de
tv, –
que por sua vez não fazem surgir realidades, mas as reproduz, - ao
contrário, ele é resultante de uma participação dinâmica na história da qual
ela não é mera telespectadora, mas também personagem.
Vendo desse modo, afirmar que a violência e os
maus costumes são produtos das telas de tvs
é uma questão relativa. Afirmar que as crianças aprendem a ser violentas
porque as assistem, é um equívoco de percepção: ficção e história se mesclam,
mas a vida fala mais alto.
(13
de março de 1993)
O CONHECIMENTO
“O
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que
sabemos é uma gota d´agua. O que ignoramos, um oceano”. Esta afirmação,
certamente, deve intrigar muitos estudiosos que gastaram anos a fio acumulando
conhecimentos numa cadeira universitária.
Ninguém, por mais que tenha se empenhado, sabe
tudo; existe sempre aquele algo que nos surpreende, que nos amedronta, que nos
excita e desafia: o novo! Podemos dizer que o que conhecemos é apenas uma
parte, um reflexo de nossa limitada visão que, por sua vez, possui um outro
lado, uma outra vertente, que acopla-se na formação de um todo.
Vendo desta forma, seria ingênuo demais acreditar
que as pessoas saibam tudo ou que elas já tenham esgotado todas as possíveis
hipóteses sobre um determinado assunto. Sabemos sempre um pouco: e que já é
muito importante, porém precisamos levar em conta que o saber não é uma coisa
estática, mas super-dinâmica que vai sendo passado, construído nessa
inter-relação do homem com sua própria história.
Infelizmente a sociedade, muitas vezes, tenta
aprisionar o saber usando formas estereotipadas, esquecendo a beleza e o manancial
de sabedoria que estão imbuídos nas coisas práticas e diversas da vida.
Abrir-se ao novo, admitir que se está errado,
reformular, duvidar, ... faz parte de um bonito processo que liberta o homem e
o impulsiona a dar passos em direção de um saber maior do qual será eterno
aprendiz.
JUVENTUDE : ONTEM
X HOJE
D
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izem, certamente as más línguas, que os jovens de
hoje não querem nada: só pensam em festas, modas, ... e nada de estudar, de se
envolver seriamente com os problemas do país. Há os que lamentam a ausência de
jovens como os dos anos 60 que entraram para história revolucionando e acham
que os de hoje só querem mesada certa, mordomias facilitadas, férias antecipadas,
boletim abolido e “vamos nessa, temos mais é que curtir a vida!”
De fato, os jovens de hoje não são iguais aos de
ontem, e não adianta os pais ou a sociedade esbravejarem com seus modismos e
moralismos sobre o que é bom, como vestir-se, como pensar, como falar, como
escolher os amigos, como ser patriota, como respirar, como ... Os jovens estão
apaixonados por criar impactos com suas gírias, seus palavrões, seus brincos,
suas reprovações, seus gestos obscenos, seus cabelos coloridos, suas roupas
rasgadas, suas mortes por overdoses, seu fanatismo por “badernas”, por
pichações, por coleções de tatuagens, sonhos de rock, ilusões pornográficas,
... aventura pô! Ou, simplesmente,
caminhos novos.
Não sendo os de hoje os mesmos jovens dos anos
60; não tendo, estes, os mesmos problemas que aqueles tiveram e, não sendo
gestados no seio de uma sociedade tal qual a de seus antepassados, é de se
admitir que não convém viver no saudosismo querendo copiar a história, querendo
que os jovens de hoje sejam e ajam como os de ontem. É preciso encarar a
realidade de frente e tentar descobrir na juventude que aí está, os grandes
valores que precisam ser apoiados, os sinais de libertação que clamam pelo
advento de uma nova sociedade.
Disse alguém (possivelmente Pe. Zezinho) que “ Os
jovens de hoje não são nem melhores nem piores do que os de ontem. Estão,
apenas, respondendo de forma diferente a problemas um tanto quanto parecidos
com os de antigamente”. É prudente convir de que quem disse isto possui uma boa
dose de razão.
QUANDO SE MORRE ...
E
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ntre os seres humanos a morte é uma constante; na
verdade vivemos morrendo. Morremos um pouco a cada dia, até um dia morrermos de
vez. Morremos por vários motivos e de várias maneiras e, quase já não sabemos
viver sem certas mortes: estamos sempre morrendo de cansaço, morrendo de rir,
morrendo de ódio, morrendo de inveja, morrendo de saudade, morrendo de
vergonha, morrendo de esperar, ... e mesmo morrendo tanto, tantas vezes:
vivemos. Já adquirimos anticorpus suficientes para matar esse vírus de morte
forasteira que insiste em passear pelo cotidiano humano.
Infelizmente há muitos tipos de mortes para os
quais ainda não estamos protegidos, e não me refiro à morte natural, já que
esta é inevitável, mas dessas mortes que de súbito ou gradativamente,
violentamente, vão nos arrancando da vida (acidentes no trânsito, drogas,
criminalidade, suicídio, ...). E aqui, particularmente, cito essa doença antiga
e certa, conhecida como fome no Nordeste. É uma doença até então sem cura, que
tem conduzido à morte milhares de homens, mulheres e crianças. Doença que,
desgraçadamente, é altamente lucrativa; cujo diagnóstico garante milhões e
milhões de reais e cujas vítimas não rendem mais que algumas manchetes nos
jornais em dias de notícias de pouco ibope.
Viva a seca, a falta de emprego, a falta de um
sistema de irrigação, a falta de políticos honestos que garantem ao nordeste o
melhor quadro de morte-viva no país; um quadro que se exibe ao longo dos anos,
normalmente em câmera lenta, dando um ar de tela de cinema onde as pessoas
podem visualizar melhor, e sem pressa, o desespero dos esfomeados que gritam
com fome de vida.
Enquanto não nos fartarmos de ficar somente
morrendo de pena diante da situação desses nordestinos, esse grito continuará
ecoando: sinal de que os direitos humanos estão sendo desrespeitados, sinal de que o sol da justiça, da liberdade e
da democracia ainda não raiou e que depende de toda nação fazer com que seus
raios aqueçam todos os filhos dessa pátria amada-Brasil.
POR QUE ... ?
P
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or que navegamos para tão longe, se o nosso cais se encontra tão
perto?
Por que deixamos que os ventos
vindos do capitalismo, do socialismo, do comunismo ... e da democracia
camuflada, nos derrubem de nossa dignidade humana?
Por que será que nos calamos se
nossa história continua a tomar rumos tão repetidos e cada vez mais negros? Por
quê?
Por que será que nosso barco
ficou, de repente, tão pequeno “sendo preciso” lançar fora inúmeras vidas? Por
quê?
Por que minha igreja não
desperta e vê que o secularismo devora os seus fieis: é preciso evangelizar
diferente!?
Por que mutilamos nosso maior
valor, a liberdade, pela incoerência da obediência servilista?
Por que lamentamos tanto o que
gostaríamos que não tivesse ocorrido e esquecemos que o presente reclama de
nossa ausência?
Por que nos comove tanto os
episódios tristes da tv, tão bem ensaiados, produzidos, ... e nos tornamos tão
insensíveis diante das cenas cruas e desumanas, realizadas todos os dias e a
qualquer hora nos palcos da vida mais movimentados ou desprestigiados? Por quê?
Por que será que continuamos
sendo tão covardes e injustos a ponto de buscarmos na Palavra de Deus a
desculpa ideal para nossas neuroses e segundas intenções? Por quê?
Por que nos fazemos precisar de
eternos papais e mamães que nos ensinem a andar, nos digam o que fazer, nos
aprovem, nos corrijam, ao invés de sermos pessoas livres e conscientes, capazes
de assumir os próprios atos?
Por que nós, homens, nos
tornamos tão incrédulos do amor e tão fanáticos das desilusões?
Por que ignoramos tantos
companheiros que sucumbem nesta trajetória tão massificante? Por quê?
Por que esquecemos ou talvez
nunca aprendemos a vibrar com a simplicidade da vida, a beleza de sua
singularidade em cada um? Por quê?
Por que nos contentamos em
sermos parasitas de uma história que é tão nossa?
Por que envelhecemos
precocemente ou estacionamos nesta eterna adolescência de não aceitarmos a vida
com seus erros e acertos?
Por que nos apropriamos deste
Deus que nos gerou na liberdade do espírito, e fizemos dele nosso ídolo
supremo, poço de nossas debilidades e insucessos?
Por que nós não nos interessamos por saber o porquê das coisas?
Talvez, a princípio, seja
porque nós não despertamos para o grande dom que possuímos: PENSAR.
(27 de novembro de 1990)
AÍ
FORA
= H
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á um mundo aí fora,
Um mundo que grita,
Que cala, que chora
...
Há um mundo aí
fora,
Faminto de justiça,
sedento de paz,
Anêmico de amor.
= Há gente aí fora
Que pede pão,
Que pede paz,
Que pede vida ...
Há vida aí fora, precisando ser cultivada,
Ser aceita, ser vivida;
= Há vidas aí fora,
Sem sentido, sem ideal,
Sem história.
E há muitas histórias aí fora,
Roubadas de outrem, pinceladas com a mentira decente,
Que mutilou a alegria de um povo.
= Há um povo aí fora
Esmagado, oprimido, caminheiro ...
Há crianças aí fora
Que suplicam vida,
Que se fantasiam com a guerra,
Se nutrem de poluição.
= Há um fogo aí fora
Que devora o verde,
Que abafa a vida e enaltece o nada.
Há homens aí fora
Que se dizem inteligentes,
Exportam pelo lucro, enquanto os seus morrem de fome.
=Há direitos aí fora
Trocados por deveres,
Assumidos por privilégios,
Existentes no papel ...
Há um progresso aí fora,
Tão presentemente materialista,
Tão distantemente humano,
Tão sobrecarregado de egoísmo!
= Há um governo aí fora
Que diz que tudo vai dar certo,
Que assina floreando e
expande desilusão.
= Há um grito aí fora
É um grito de esperança
De um povo com fome de paz.
Há um universo que nos envolve
precisando que você descubra
o amor que ficou perdido nas ilusões
de um progresso materialista.
(07 de agosto de 1990)
É PRECISO DIZER NÃO!
N
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ão a esta sociedade dopada pelo
Consumismo,
pelo Capitalismo doentio.
Não a um mundo conquistado pelo
egoísmo,
pela egocentricidade imatura.
Não às guerras frias, aos floreamentos
dos Decretos Constitucionais.
Não a morte dos Yanomami
Ao exílio dos posseiros, dos sem terra.
Não a construções de bombas atômicas,
Aos pacotes e embrulhos que esmagam o
povo.
Não à ditadura escravista, ao domínio
sangrento.
Não à camuflagem da democracia,
Aos candidatos anêmicos de justiça.
Não ao aborto desenfreado, às
necessidades de invasões nas escolas, hospitais, ruas, ...
Não a estupidez de matar pela ganância
do luxo exclusivo.
Não ao genocídio, à acomodação imposta.
Não ao preconceito hereditário, à
generalização dos males.
Não ao desmatamento, à poluição, à
prostituição do meio ambiente.
Não a covardia pela falta de
compromisso,
À abnegação ao parasitismo.
Não ao apodrecimento armazenado dos
alimentos,
à morte cronometrada de milhões de
esfomeados.
Não a fraudes encobertas, à
escandalização da verdade.
Não aos arranha-céus que abafam as miseráveis
malocas.
Não aos cultos fanáticos, as idolatrias
veneradas.
Não a ignorância dos paradoxos da vida.
Não ao poder abusivo, ao monopólio
irrigado.
Não ao fanatismo das drogas, a inserção
do racismo.
Não às neuroses epidêmicas, às
vegetações humanas.
Não ao progresso das máquinas, à
degradação do homem.
Não a massificação, à violência, à
falsidade.
Não ao secularismo deturpado, ao
atrofiamento da moral.
Não ao enclausuramento da verdade, à
exibição da mentira.
Não ao cultivo de orfanatos, presídios,
asilos,
à legalização dos problemas.
Não a “coincidência da sorte”,
a
proliferação da marginalização.
Não a esse patamar de descontendas e
incredulidades.
Não a esse desamor que sufoca o mundo!
É preciso dizer não!
Hoje, agora, sem demora,
para que o amor fecunde a paz.
QUEM ÉS?
Q
|
ue vejo assim tão
triste
Tão abatido, tão
desfigurado?
Que procuro,
investigo e só encontro anonimato?
Tens mãos
calejadas, ossos entrevados,
Mente atrofiada
– acredito que és
alguém que luta!
Teu olhar é desafiante,
Espada aguda penetrante,
Que envolve o maior pedido de clemência
– procuras algo!
Em teu regaço, a
acolhida mais próxima,
O amor mais
sincero,
A esperança
concebida
– também ofereces!
E tu andas assim, cada dia mais enfastiado,
Desiludido, revoltado,
Esquecendo quem és tu
– vives oprimido!
Sabes contar
histórias de fada,
A idade idolatrada,
O sonho de revolução;
Colorir a realidade
com samba,
Tantas artes e bons
feitios
– tua cultura é
bela!
Para onde vais com tanta pressa
Entrando em becos, pulando muros
Enquanto outros afluem contra ti?
– Estás escondendo-te.
Que fizeste de errado
Que te chamam pivete, desgraçado,
A vida não sorri para ti?
– Encontra-te marginalizado.
E eu me pergunto: Quem és?
Um silêncio inquietante
Explode nos choros das crianças e no suor dos adultos,
Alguém dedilha a viola,
Extravasa a mais doce melodia,
Sucumbe a mais negra tristeza,
Reacende a certeza
– lutar não foi em vão!
Tudo se harmoniza,
branco, índio, negro na mesma lida.
Vejo a dança das
raças na defesa da vida.
– És povo meu, és pátria amada!
Não importa se és daqui ou se vieste de fora,
Se és deste ou daquele chão;
O certo é que pra descobrir quem és
É preciso se fazer povo, se sentir nação;
É preciso mergulhar na dor dessa gente,
Descobrir um Brasil diferente em que o povo vive
Independente, libertado;
Sem precisar decorar hino, pois sua vida
Canta mais alto.
(29 de março de 1990)
SÃO
COISAS DA VIDA
C
|
São coisas da vida!
Chorar por
algo que não pode ser evitado,
Evitar
aquilo que poderia ter ocorrido,
Viver aquilo
que gostaria de não ter vivido.
São coisas
da vida!
Morrer antes de nascer,
Ser adulto antes de crescer,
Envelhecer sem ter vivido; são imposições do
mundo
– São
coisas da vida!
Revoltar-se
porque o Brasil perdeu a copa,
O ídolo
faleceu, perdeu uma prova, ...
E
alegrar-se porque o carnaval estourou, o
filho nasceu,
A florzinha
brotou, ... são respostas de um estado
pessoal.
– São coisas
da vida!
Discutir o sagrado, explicar o mistério
e ignorar
o óbvio ; é ingenuidade amadurecida.
São coisas da vida!
Sonhar com
uma família perfeita,
Com um
brilho eterno, com um mundo sem problemas,
indiscutivelmente,
irmão; é utopia que só não cabe na realidade.
São coisas
da vida!
Lutar, sorrir, acreditar no amanhã do ontem,
Viver o agora sem medo, nem preconceito,
é continuar a história com os pés no chão.
São coisas da vida!
Modelar uma
pessoa da forma mais doce e terna,
é hipocrisia de quem ainda não descobriu que
o ser humano
está mais aquém do mais além da sua escravidão.
Ouvir o
canto dos pássaros,
Sentir o vento
acariciando a pele,
A caneta
tingindo o papel;
É perceber a
harmonia do homem com Deus.
São coisas
da vida!
Calar em si a mais alta estrela,
Reservar ao outro o abominável esterco,
Abafar o grito mais eloquente;
É aderir ao egoísmo doentio.
São coisas da vida!
Legislar a
paz no papel, decorá-la com inúmeros artigos,
Executando a
guerra fria; é harmonia dos colarinhos brancos,
quadro bem
pintado de uma política arbitrária.
São coisas
da vida!
Apossar-se de cadeiras universitárias,
Conhecer os fins ou confins dos conhecimentos
sistemáticos,
fazendo deles meros meios de ganhar a vida;
é opção mesquinha de milhões de pessoas
que reclamam da sociedade como vítimas,
sem saber que são assassinos.
São coisas da vida!
Mover
estruturas, conquistar dólares,
Ocupar posições,
falsificar o lado da moeda,
é seduzir a
si mesmo e conhecer o vazio.
São coisas
da vida!
Canonizar o divino
Repudiar o efêmero,
É vegetar no mundo da desistência.
São coisas da vida!
São coisas
da vida escrever o que se pensa,
A mais nobre
ideia que lhe invade o pensamento;
Assegurar-se
estar inspirada, sentindo a vida menos complicada –
presente e
passado que projetam um futuro,
participar
da vida das coisas,
sem
precipitar as coisas da vida!



































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