NOELIA DE 1ª VIAGEM
Experiência ñ é coisa q s encontra embalada na prateleira de algum estabelecimento e q s pode comprar e tomar quando sentir falta dela. S assim fosse, o mundo seria uma maravilha e muitas besteiras poderiam ser deletadas de nossas histórias.
Minha primeira experiência oficial como professora regente de classe foi quase traumática. Cheguei toda animadinha para lecionar na 4ª série, num dos colégios mais respeitados da cidade de Alagoinhas. Havia acabado de me formar e estava disposta a colocar em prática toda pedagogia e conhecimentos acumulados ao longo de meu curso de Magistério.
A turma parece q foi selecionada a dedo! Minhas aulas de Português e Redação, tão carinhosamente planejadas num caderninho enfeitado, eram transformadas num verdadeiro caos por essa turma. Quem chegasse na porta da sala ou olhasse pelo corredor minha performance com eles, acho q tinha a visão de um circo, um hospício ou, mais propriamente, um pedacinho do inferno.
As bonitas teorias q aprendi enquanto aluna, desfaleciam de susto diante das gritarias, das bolinhas d papel, do arrastar de cadeiras, ... ñ me habilitavam para dar conta d um detalhezinho básico chamado: controle de classe!
A bagunça era tanta q nem dava tempo para fingir q eu estava ensinando alguma coisa para eles. Meu desempenho como professora deixou tanto a desejar q fui substituída no meio do ano por outra professora: me colocaram para dar uma aula d religião por semana em todas as turmas, desde a alfabetização até a 3ª série.
Quase choro! Ñ sei s d alegria por me livrar deles ou de decepção por ñ ter dado conta do recado. Via das dúvidas, fiquei alegre e decepcionada, mas ñ chorei, só pra ñ dar ousadia.
Juntei os caquinhos d mim (professora recém formada, recém-assombrada, recém-substituída), dei tchau e fui tentar recomeçar em outras turmas.
Esse e outros anos s passaram ...
Nada como um dia após o outro! Juntei meus pedacinhos e dei a volta por cima. Fiz dessa minha 1ª e desagradável experiência em sala d aula, material de estudo d cabeceira. Me esforcei por entender aonde foi q eu errei, pois ñ estava disposta a abrir mão de sonhos, q eu acreditava tornarem–se possíveis através da educação.
E ñ é q deu certo!? D lá pra cá, e isto já faz mais d 15 anos, nunca mais precisei gritar com alunos para q eles me deem atenção. A gnt pode até fazer bagunça e incomodar a sala vizinha, mas o nosso caos é ordenado. Nunca mais perdemos o controle de classe! E como lagartixa sabe onde bate a cabeça: s é pra brincar, a gnt brinca, mas na hora d falar sério, a gnt fala sério. Ô s fala!

SE VC FOR ... A GNT VAI !
Uma das coisas que sempre tentei cultivar em meus alunos é a arte do riso. Aprender a rir d si mesmo é virtude necessária para encarar a vida com leveza. A sala d aula para nós sempre funcionou como espaço de boas vindas aos erros. Nele os deslises, blefs, as incompreensões, as doidices, as desculpas esfarrapadas, ... são transformadas em trampolins para novos conhecimentos.
Acho q meus alunos me veem como um misto de exigência e leveza: uma professora, capaz de tirar o sono dos alunos, deixá-los preocupados por realizar suas atividades e saber qual será sua avaliação; mas, por outro lado, uma professora querida, meio maluca com quem s troca muitos sorrisos enquanto s tenta aprender.
Difícil deixar uma turma sem ter dado com ela boas gargalhadas. 1º acabo rindo deles e, a princípio, isto os incomoda ou os desconcerta muito, até q eles descobrem q também podem rir d mim, pois o riso ñ tem a função de um rótulo negativo, mas o efeito mola, q nos impulsiona a superar desafios e dar saltos. Rimos de nós mesmos, dos outros, das circunstâncias, ... mas também suamos muito para dar conta de nosso recado e fazer jus a série em q estamos.
Penso q por partilharmos durante semestres, ou anos, o sal e o açúcar, o suor e o riso, normalmente a gnt s dar tão bem, criando certas afinidades e laços de amizades q s espicham para além do calendário acadêmico e da relação professora-aluno.
Quando o assunto é pagar mico, king kong, passar vexame e coisas do tipo, meus alunos, normalmente, são os mais preparados, até por uma questão d experiência própria em sala d aula.
Dos muitos já assistidos ou vivenciados: Titanic no rio Paraíba, A bela adormecida engasgada, A velha debaixo da cama, Morte e vida severina no morro, assassinatos do português, Alberto Caeiro mudou d cor, A hora de dar água ao jegue e tirar os filhos debaixo do cesto, e tantos outros – lembro d uma situação em q a turma do 3º ano foi incumbida, pela coordenação da escola, para organizar um simples quadro junino a ser apresentado no pátio para a comunidade local. Fiquei como professora responsável para incentivá-los a realizar a tarefa.
O fato era q a turma estava acanhada só em pensar q muitos poderiam vaiar ou rirem deles no pátio. Na sala d aula eles tiravam onda uns dos outros à vontade, mas se exporem para q outros alunos tirassem saro d qualquer um deles, isto ñ s admitia!
Disse a eles q largassem d besteira, a gnt só precisava bolar uma ideia legal e apresentar; caso ninguém aplaudisse, a gnt mesmo s aplaudia e pronto! Pensamos num casamento da roça com personagem humorísticos q, na época, estavam fazendo sucesso na tv.
Papéis divididos, hora d ensaiar no pátio para ver como é q fica. Não ficou! O texto era cômico, e a vergonha travava o corpo e as vozes de nossos artistas. Voltamos pra sala. O desânimo era geral e a ideia era ñ apresentar nada: deixar o 3º ano, pela 1ª vez, ñ fazer bonito e ñ fazer nada na festa junina.
Ainda rindo do vexame disse pra eles q isso era café pequeno: a gnt já tinha o texto, então era só cada um s esforçar para fazer bem o seu papel e esquecer quem estivesse olhando, q no dia ia dar tudo certo!
Contrariado um aluno disse:
– Ah, é?! Então venha fazer um papel com a gnt!
– É mesmo! (Gritou a turma em peso.) S vc for a gnt vai! E imediatamente propuseram o papel q me caberia: eu seria Filó. E agora todos riam satisfeitos já imaginando a cena e, obviamente, q eu ia desistir dessa apresentação.
Como s fazer aquilo fosse a coisa mais simples do mundo disse:
– Aceito! Serei Filó e ñ posso fazer feio pro meu noivo, s ñ ele ñ casa comigo. Então vamos ensaiar agora! A turma alvoroçada voltou pro pátio largando a vergonha de lado, afinal valia a pena qualquer sacrifício pra me ver pagando aquele mico.
No dia da festa ñ fizemos feio, abalamos a escola e euzinha tava tão Filó q virei celebridade, garantindo o meu e o riso d muita gnt.
E s ñ tivessem nos aplaudido, nos aplaudiríamos assim mesmo e tava valendo, porque a gnt é d+ !!!



Se ñ me engano, chamava-se Fernanda. Uma garota levada da 2ª série de um colégio religioso, q ñ levava desaforo pra casa e acreditava q muitas coisas podiam ser resolvidas na mão grande. Seus pais pareciam roqueiros e, vira e mexe, eram intimados a conversas particulares com suas professoras.
Eu era sua professora de religião e passávamos pouco tempo juntas, tão pouco q ñ dava para ela fazer muitas estrepolias ou eu ficar zangada com ela, de modo q só nos restou uma opção: como ñ podíamos falar mal uma da outra, então a gnt resolveu s gostar.
Na semana da páscoa ela chegou na sala segurando, pela boca, um saquinho de papel dizendo q o trouxe pra mim; era o meu presente d páscoa. Recebi, agradeci e dentro havia um pintinho vivo. Achei lindo seu gesto e o pintinho, mas tive q passar a aula toda tomando cuidado para q, de tanto passarem a mão e pegarem nesse pintinho, ele ñ acabasse morrendo.
Coisa foi quando, numa certa aula, pedi a turma para q escrevesse o seu maior sonho. A maioria queria ganhar um brinquedo q ainda ñ tinha ou viajar para a Disney. Minha amiguinha, toda empolgada, pulou para o meio da sala e abrindo os braços disse: – Meu sonho é eu e a pró Noelia desfilar, só de biquini, na frente da bateria de uma escola de samba! E imediatamente simulou uns passinhos de dança q poderíamos fazer juntas.
- Êta mente fértil, meu Deus! Ainda bem q era só para escrever o sonho e ñ havia nenhuma fada madrinha de plantão; estavam todas ocupadas com outras histórias.

QUANTOS ANOS VC TEM?
QUER CASAR COMIGO?!
É comum alunos se encantarem por algum de seus professores. Há casos em q esse encantamento vira paixão, torna-se amor e termina em casamento.
Já tive alunos q se diziam apaixonados por mim e, para fazê-los desistir dessa ideia, sempre dizia-lhes q quando eles ainda faziam xixi nas fraldas eu, há muito tempo, já sabia ler e escrever, portanto podia, perfeitamente, ser a mãe deles. Assim a suposta paixão sentida virava, apenas, admiração pela professora alegre, inteligente e com cara de menina.
Mas, como geralmente ocorre, nem todos desistem tão facilmente e se a ideia é chamar a atenção da gata, então vale tudo: desde tirar a camisa para q ela veja seu corpo másculo; simular uma colisão com ela para, convenientemente, segurá-la, impedindo-a de cair ou ainda, a clássica cena de ciúmes alegando q ela dar mais atenção a outro aluno do q a ele.
Um desses alunos, certo dia, me perguntou quantos anos eu tinha e se eu era casada. Respondi-lhe, sorrindo, q essas informações ñ eram importantes, pois eu ñ iria cobrá-las na prova. Foi mesmo q ñ ter lhe dito nada: ficou me olhando e disse q estava apaixonado por mim e queria saber se tinha alguma chance. Dizem q , às vezes, a melhor resposta é aquela q ñ s dá e assim, levei na esportiva, sorri e mudei d assunto.
Até q certo dia estava eu explicando determinado assunto na 8ª série e, como é de costume, depois de finalizar minha fala, perguntei a turma s havia entendido a explicação ou s havia alguma dúvida. Esse aluno levantou a mão, ficou em pé e disse: – Tenho uma dúvida: Quer casar comigo? O alvoroço foi geral, pairou no ar um suspense. (...) Para q ñ perdéssemos o fio da meada respondi: – Não! Mas em relação ao conteúdo q acabei d explicar vc tem alguma dúvida?
Há situações q nos pegam desprevenidas e nos deixam desconcertadas. Certamente!

Quando estamos movidos pela pressa, dificilmente conseguimos perceber a beleza de certos detalhes. Constantemente apressado vive o professor q corre d uma escola pra outra; dar aula em várias turmas e leva, praticamente, o ano todo para tentar decorar o nome de tantos alunos. É inevitável q, nesse contexto, muitas belezas passem desapercebidas a seus olhos.
Foi preciso escorar a porta para q eu me desse conta de como eram bonitos os olhos de Valter, aquele garoto tímido e notas razoáveis da 7ª série.
Estava eu tomando conta de prova numa dessas salas de escola pública, escorada na porta para q o vento ñ a abrisse e outros alunos ficassem dali dando pesca ou interrompendo o silêncio, quando, de repente, alguém bateu, delicadamente, na porta e eu, ainda segurando-a, olhei por uma greta para saber quem era e o q desejava.
Esbarrei com um par de olhos azuis q pedia para q eu avisasse a um colega seu, q estudava naquela sala, que ele já havia acabado a prova e estava indo embora. Eram os olhos de Valter.
Disse-lhe q daria o recado e antes q ele fosse embora acrescentei:
– Valter, nunca tinha prestado atenção: vc tem olhos muito bonitos. Os olhos mais bonitos da escola! Ele sorriu. Tenho certeza q ficou feliz em ouvir isto. Minha felicidade em enxergar um pouquinho mais, ñ foi menor.


Certo dia peguei uma carona de um ex-aluno q há tempo eu ñ via. Não morava mais no bairro onde estudou; já era papai e trabalhava numa empresa responsável por cavar poços artesianos. Assim como eu, estava indo trabalhar.
Ficamos felizes por nos reencontrarmos e, durante o percurso, fomos conversando e rindo de algumas banalidades da vida, até q ele me perguntou s eu ainda costumava pedir aos alunos para produzir textos, como fazia na época em q ele estudava. Respondi q sim, pois afinal, ñ havia sentido ler sem produzir textos.
Começou a recitar um poema e, ao final, acrescentou: – Fui eu quem fiz, vc lembra?!
Fiquei surpresa em saber q ele havia feito aquele poema numa de minhas aulas em q trabalhamos produção d poesias. Me disse q ñ sabia fazer poesia e q fez de qualquer jeito, mas q eu achei o máximo e ele ñ conseguiu entender como alguém tão exigente como eu, pode se encantar e achar lindo uns versos q nasceram assim meio q por acaso!
O fato é q ele nunca mais esqueceu esse poema.
CAIXOTECA,
ARMARIOTECA, ...
PORQUE
PORQUE
A GNT PRECISA
DE UMA BIBLIOTECA!
E Escola que ñ promove a leitura, ñ merece ser chamada de Escola!!
Muitas vezes em nosso palco faltou: recursos para adquirirmos livros, espaço apropriado para uma biblioteca e ainda, pessoa remunerada para trabalhar nesse espaço. Às vezes é nítido o descaso pela Educação! Mas nunca fizemos disso desculpa para ñ lermos.
Não tínhamos uma biblioteca?!
– Organizamos o Cantinho de leitura.
Não tínhamos dinheiro para comprar livros paradidáticos?!
– Fizemos a gincana do livro e arrecadamos diversos exemplares já usados, mas ainda em bom estado de uso.
Faltou espaço para guardá-los?
– Organizamos as caixinhas de leituras e, como a proposta era que os livros circulassem nas mãos dos alunos, esses, ñ ficaram empilhados dentro das caixas.
Não tínhamos uma pessoa para ficar tomando conta desses livros?!
– Formou-se comigo uma fila de alunos apaixonados pela idéia de q ler é bom d+. Gastamos vários recreios, aulas vagas e tempo depois das aulas jogando conversa fora, dando risada, forrando todos os livros e separando-os por modalidades. – Olha, a gnt s apaixonou pra valer!!
Até que um dia ganhamos da Secretaria da Escola um armário de aço, já usado, meio acabadinho, mas o armário ficou no quilo! Guardamos mais de 300 livros nesse armário, sem contar os q estavam circulando nas mãos dos alunos e ex-alunos, devidamente anotados para q ñ s perdessem.
Nosso Armarioteca, como assim o chamávamos, funcionava q era uma beleza! Foi nosso xodó e motivo d muito orgulho. Tdos os meus alunos, do ensino Fundamental ao Médio, sempre leram, no mínimo, 4 paradidáticos por ano, além, é claro, dos textos contidos nos livros didáticos q o governo mandava para as escolas, q ñ íamos deixar passar desapercebidos, né mesmo?!
S é pra ler:
a gnt lemos!
E assim criamos o bom hábito da leitura em nossa escola.

CONFISSÃO CLANDESTINA.
TÔ FINGINDO QUE NÃO SEI.
Ele é todo tiradinho. Já me olhou de cara feia. Já me deu resposta mal criada achando q eu ia me descabelar, descer do salto, me estressar ou enfartar. Mas s ferrô!! Ando eu d sandália rasteira e com todos os meus exames cardiovasculares em dia.
Qdo um ñ quer, 2 ñ brigam e neguinho teve q desarmar o circo e deixar o espetáculo pra + tarde ou pra outro lugar, porque euzinha ñ me mostrei interessada em assistir.
Meu neguinho ñ parava na sala, ñ ouvia explicações, ñ tirava dúvidas, ñ fazia exercício, pois alegava já ter conhecimento do assunto; e ainda achava uma bobagem esse negócio de ficar fazendo cabeçalho completo para ser corrigido, afinal d contas ele já estava no ginásio. Cheguei até a fazer de conta q estava acreditando que minhas cobranças ñ estavam à altura das exigências de seu intelecto. Até q chegaram os dias de nossas avaliações. E ñ é que ele estava lá pra colocar o preto no branco?
E colocou. E foi exatamente aí q a porca torceu o rabo: meu caro respondeu tudinho, tudinho e eu ñ consegui entender nadinha, nadinha. A letra do menino era um caso de estudo para deciframento. Eu ñ sabia q letra era aquela e imagine s eu ia saber q palavra tava formando?!
Chamei-o e pedi para q ele decifrasse pra mim e melhorasse as letras da próxima vez. S se esforçou pra melhorar, o efeito ñ ficou visível e eu continuava inapta para decifrar o q ele escrevia, de modo q suas notas ñ eram coisas bonitas de se v.
Neguinho xingava, rasgava a folha, chutava as cadeiras e dizia q ñ ia estudar mais merda de nada, não; q eu é q tava perseguindo ele.
Comuniquei a ele e a outros colegas q, na próxima unidade, comprassem uma caligrafia, pois eles deveriam fazê-la e eu iria corrigi-la, uma por uma, a cada aula.
– Vc comprou alguma ou fez alguma pra eu corrigir? Pois então.
– Mas vc pensa q eu desistir? Final da unidade: vários colegas passaram fazendo uma avaliação escrita por semana; meu caro, obviamente, ñ alcançou a média e acho q ele sabia exatamente porquê. Ñ foi difícil perceber q ele ficou entristecido, apesar de dizer q ñ s importava e ñ tava nem aí. Acho q nenhum aluno gosta de perder, nem mesmo aqueles que ñ estudam.
No primeiro dia de aula da unidade seguinte, chamei-o e perguntei s ele ainda queria passar d ano. Me disse q sim, mas ñ ia passar pois só tirava nota ruim. Concordei com ele dizendo q realmente s ele continuasse filando aula e colecionando aquelas notas o resultado ñ seria outro... mas q eu tinha uma proposta pra lhe fazer: – Lembra-se daquela caligrafia q pedi unidade passada? Vc vai trazer uma próxima aula. Nessa unidade, vc só precisa trabalhar as letras, s vc conseguir melhorá-las, tá aprovado. E aí, vai encarar?!
Na aula seguinte, ele se aproximou de minha mesa e disse: – Pró, comprei 2 caligrafias. Sorri pra ele e disse: – Que bom! Deixa eu ver?! E fui lhe mostrando as 2 primeiras páginas em q ele devia treinar, com calma e capricho, as letras trazendo para eu corrigir na próxima aula q seria 2 dias depois.
Ficou tão empolgado com o q fez q ñ esperou 2 dias para me mostrar. No dia seguinte entrou em outra sala e pediu para q eu olhasse o q ele tinha feito. Disse-lhe q, como 1º treino, estava bom, havia, apenas, alguns detalhes a serem corrigidos. Perguntei s foi ele mesmo q fez e ele, orgulhoso, me disse q sim. Fez em sala mais uma pág. para q eu o visse fazendo. Parabenizei-o e, desde então, a cada aula corrijo sua caligrafia exigindo cada vez mais esmero.
Não é q outro dia fiquei sabendo q, depois d uma colega fazer um sermão sobre a questão da indisciplina na sala de aula e o descaso com o estudo, esse aluno fez um desabafo elogiando a minha pessoa?!
Segundo ele, só eu presto, só eu tô preocupada com eles: só eu corrijo o caderno de todo mundo e conto até os pontos nos is; ele ñ sabia escrever, tinha as letras toda esculhambada q nem ele entendia, mas ninguém nunca mandou ele consertar as letras e ele ficava só perdendo. Só pró Noelia q passou caligrafia pra ele fazer. (Tirou a caligrafia d dentro do caderno e mostrou as páginas q já havia feito e sido corrigidas por mim.)
À parte o exagero de q só eu q presto e me preocupo com eles, pois obviamente isto ñ é verdade, fiquei me achando! Quando entrei pra dar aula nessa turma, ninguém comentou o episódio, apenas me olhavam e eu fiz d conta q ñ tava sabendo d nada e perguntei:
– Por que tá todo mundo quieto assim? Vcs estão doentes? Vamos largar mão dessa maresia q o sol tá quente, abrir esses cadernos q hj tem treino pro teste de amanhã e, como vcs já sabem, eu começo a contar pelo cabeçalho.
Suas letras nunca mais serão as mesmas depois d mim.





FILOSOFIA DE UM TAXISTA

Este
mundo moderno e/ou pós-moderno nos impõe uma rotina, por vezes , estressante e
desumana. Ou será q não impõe, propõe?! Seja como for, a maioria de nós se torna
escrava dela, mal encontrando tempo para se coçar
O tempo urge! O trabalho nos espera! Tempo é
dinheiro! Deus ajuda quem cedo madruga! É preciso estudar pra ser alguém na
vida! O mercado tá competitivo! ... estas e tantas outras frases feitas estão
aí para nos convencer a não largar o
rojão.
Lê, lê,
lê, lê! ... A vida hj tá difícil, mas
nós vamos levando assim mesmo, empurrando com a barriga, com a cara e a
coragem; e se não der pra empurrar mais: deixa a vida nos levar!
Foi
nesse embalo que outro dia, não era ainda
6 e 30min quando eu já pegava a 2ª condução para chegar a Feira de
Santana, onde as 7 e 20 devia tomar outra condução com destino a Chapada
Diamantina, mais precisamente a cidade de Seabra, na qual alunos do Campus XXIII me aguardavam para que
fosse ministrado o componente curricular Estudos da Literatura Brasileira
Contemporânea, nos turnos vespertino e noturno.
Sentada
no banco traseiro, num desses transportes alternativos ou clandestinos, – típico táxi de pobre (o carro é o mesmo, o
preço é fixo, mas só sai quando lota!) –
fiquei a escutar a sábia conversa, ou
quase monólogo, do taxista com o passageiro do banco da frente.
– É, companheiro, a vida é difícil! Se a gente quiser alguma coisa na vida, tem que
batalhar muito. Essas meninas aí (aponta com o queixo para as duas moças que
dormitavam ao meu lado) viajam toda semana pra fazer faculdade em Feira. Sou eu
que levo elas! As bichinhas se esforçam.
Meu
filho, agora, também, entrou na faculdade. Tá estudando em Salvador, fazendo um
curso até bom. Já gastei foi dinheiro com cursinho, vestibular, matrícula e
mensalidade. Felizmente ele arranjou uma besterinha pra fazer e assim tá
ajudando a pagar a mensalidade que é um estouro.
Agora
eu fico assim pensando: Amigo, tu sabe quanto Ronaldinho Gaúcho, cotado como o
melhor do mundo e o mais bem pago, tá
ganhando por jogo?
É
muitos milhões! É dinheiro demais! Dinheiro que eu nunca vi e vou morrer sem
vê. E olhe que eu já tenho mais de 60 anos e sou aposentado como motorista da
Novo Horizonte. Já rodei muito dirigindo por esse sertão aí pra cima. Se for
juntar o meu ordenado ao longo desses anos e o que hoje me pagam como
aposentadoria, não dá metade do que esse homem ganha por mês! Um cara que nunca
entrou numa universidade!
Meu
filho, coitadinho, pode ralar o quanto
quiser para terminar a faculdade e
encontrar um emprego na sua área, mas ele nunca vai ganhar o que esses jogadores ganham; vai
morrer sem ver essa quantidade de dinheiro.
É
um sistema injusto! Quem se acaba pegando no pesado ou estudando anos e anos,
ganha uma miséria. Quem não estuda ou estuda quase nada, mas corre atrás de uma
bola patrocinada por um time, ganha uma fortuna!
Isso me revolta! Não é que eles não devam
ganhar. Eles se esforçam pra jogar bem. Mas precisa ser tanto assim?! Na minha
opinião quem deveria receber mais eram os
médicos, porque eles estudam muito e salvam vidas. Os professores também
deveriam ganhar bem porque a educação é importante e aguentar filho dos outros
não é coisa que preste! Tem que ter muita paciência!
(A pista se espichava a nossa frente e entre uma
curva e outra, essas considerações indignadas deram lugar ao relato de um
episódio banal e feliz.)
– Final
da semana passada comprei umas carnes,
disse o taxista, e mandei a mulé preparar pra nós comer antes do jogo. Eu não
posso comer esses comidas assim gordurosas por causa do colesterol, da idade,
... mas uma vez ou outra, eu como! Quando cheguei em casa a mulé tinha
preparado uma buxada. Tava foi cheirando! Caí pra dentro e comi, viu?! Depois
deitei no chão da sala com minha cachorra, que é muito apegada a mim, liguei o
ventilador e fiquei assistindo o jogo. Dormimos a tarde toda e quando acordei,
o jogo já tinha acabado. Isso é que é vida!
Final de linha! Final de conversa! Paguei a
corrida e, apressadamente, dirigi-me ao guichê para adquirir um bilhete de
embarque. Passei mais 6h viajando sentada na poltrona de um ônibus até chegar ao meu local de trabalho.
Cansada e sem almoçar iniciei a aula pra turma
que me aguardava. No meio das
atividades, alguns alunos começaram a contar que viram a noite fazendo os
trabalhos da faculdade e que, há muito tempo, não sabem o que é férias ou
final de semana, pois há sempre um curso de férias a ser feito e aulas aos
sábados.
Disse-lhes que, infelizmente, não poderia
parabenizá-los pelo esforço. Só poderia dizer-lhes: meus pêsames! E completei:
Taí um esforço que não vale a pena. E falo isso por conhecimento de causa. Eu
trabalho demais!
Quando você esquece de cuidar de você, se perde de vista,
se risca da própria agenda, não está agindo de forma inteligente. Está se
desumanizando em nome de um sistema!
Somos únicos, especiais e as coisas que fazemos
devem contribuir para nosso bem estar ou não há sentido fazê-las. A felicidade
se manifesta, muitas vezes, em situações banais do dia a dia e nada tem a ver
com a quantidade de capital que já acumulamos ou o nível de intelectualidade já
alcançada. Ela pode surpreender o ser humano num sábado à tarde e embriagá-lo
com o cheiro de uma buxada e a cia de uma cadela. E pus-me a contar-lhes a
sábia conversa que ouvi daquele taxista.
Podemos
aprender muito com o outro, inclusive a olhar mais para nós mesmos.











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